Entre Corpos.

Foi em NY, cidade movida pela frieza dos corpos e da neve. Num museu, lugar afeito a exposições de memórias. A sala ampla. Há 30 anos eles não se viam. O tempo amplo. Ela, artista famosa. Ele, anônimo completo.

A cadeira à sua frente era um mirante para quem quisesse olhar no longe de seus olhos e decifrar, por entre as nuvens, a história de vida montanhosa, onde o sol parecia ter se colocado mais vezes do que tinha nascido. A lembrança do verdadeiro amor escapado é como se ajoelhar na estrada esburacada. Com o tempo as marcas se vão, para os outros. Mas você sempre sabe o lugar da cicatriz.

Já se ia o dia, quando ele entrou junto com o vento gelado das 18h. Os cabelos grisalhos contando histórias secretas. As rugas, compridas como frases onde quase se podiam ler as cartas não respondidas. Ela, vestida com cabelo longo, rosto seco e olhos expressivos. Do jeito que ele sempre gostou.

Foi uma conversa num minuto de silêncio. O minuto feito para quem se foi, agora era feito pedindo que se fique. O diálogo, sincero, entre cada parte do corpo. Aquelas que, juntas, talharam um amor invencível à briga entre as duas famílias. Jovens, tão jovens, não puderam resistir.

Foram os olhos que primeiro desabafaram:

– Eu sempre te vi, no espelho, ao meu lado.

– Eu tive esperança que você voltasse num piscar.

– Me fechei, preferi o escuro a não te encontrar na nossa praça.

– A saudade me deu essa moldura de olheiras.

– Sua ausência quase me fez cego.

Seus sorrisos tomaram a palavra:

– Eu me fechei por anos.

– Me abri envergonhado. Amarelo.

– Você está com a mesma cor de batom.

– Continua se escondendo atrás desse bigode.

– Quero tanto te tocar…

Lágrimas, represadas, fluíram:

– Eu escorri, fria.

– Me derramei em tantas madrugadas…

– Quis tanto me misturar a você…

– Sempre fui límpida, nunca escondi o que queria.

– Eu me tornei ainda mais salgada.

As mãos, já impacientes, correram num encontro:

– Tateei rostos procurando o seu.

– Segurei outras, nunca eram como você.

– Continua macia.

– Esses calos… ainda são de pintar?

– Ainda me lembro de você escapando pelos dedos.

– Meu pai me puxou forte demais.

E então, as almas…

– Estou lá fora.

– Fica mais?

– Você está trabalhando.

– E se eu não te encontrar?

– Seque seu rosto.

– Me espera.

O que você achou?